Sunday, May 07, 2006

O regresso

"Sanga, 5 de Maio de 2006
Não consigo descrever a mistura de emoções. Os passados dias foram para visitar templos, centros e a capital Cada vez mais me apercebo de que a realidade para estes lados é totalmente distinta dos nossos hábitos. Conceitos que para nós são dados adquiridos, para este povo, nesta aldeia, são palavras estranhas. Comer à mesa, bancos, água corrente, pijama e privacidade figuram no conhecimento mas não se concretizam. Porquê? Porque toda a vida foi assim e a realidade é a aldeia.
Mudei-me ontem para a aldeia modelo. Uma forma de ambientação para o próximo passo. A viagem para cá foi uma aventura só por si. Fomos empurrados, literalmente, para dentro de um autocarro com condições bem diferentes daquilo a que estou habituado. Passada a maratona de perguntas dos passageiros que se iam sentando ao meu lado, chegamos ao destino. Pelo menos era o que eu pensava. Meia hora depois, e após ter escalado o que para mim me pareceu o Evereste, chegamos.
Não vou mentir. Senti-me fraco. Sem estômago para o que estava a viver. O choque de um pseudo isolamento parecia-me demasiado forte para a minha personalidade. Estava mentalizado quanto ás condições que iria encontrar. O mais difícil foi quando me encontrei frente a frente com a família pela primeira vez. Ao contrário do que esperava, não estava feliz. Senti saudades. Apenas. E as saudades magoam quando surgem de realidades como esta. Não julguei o lugar, as condições e a adversidade da distância . Ao ver a família (cinco filhos, 4 raparigas) com um largo e acolhedor sorriso, ao deparar-me com a timidez dos pequenos a pé descalço, com a fogueira a um canto da cozinha, a oferta de roxy, o bagaço cá do país, senti uma necessidade demolidora de sentir o calor dos meus. Os olhos que conheço, as gargalhadas que me são familiares. Foram minutos bastante difíceis porque, apesar de me sentir feliz pela maneira como tudo estava a decorrer, a minha mente teimava em navegar pelas memórias do que deixei para trás. Tinha que me animar.
A melhor maneira de mudar o estado de espírito para melhor é brincar com as crianças. Como já me tinha apercebido, a mais simples das coisas é retribuída de uma maneira em que nunca puderei retribuir. O prazer de dar é exponencialmente inferior à dimensão do que recebo por um gesto simpático, até vulgar. Se na capital não conseguia andar dois minutos com comida sem a oferecer às crianças, aqui, na aldeia, um gesto simpático também teria que ser um bom momento para mim. Lembrei-me da embalagem de Tang que apressadamente atirei para o saco que trouxe para cá. O objectivo do Tang seria tirar o sabor do cloro deixado na água quando a purificava. As minhas recordações de criança apareceram quando e como que por magia a água ficou laranja e os olhos das crianças (com 6, 11,12,15 e 17) abriram-se de entusiasmo.
Enquanto que numa refeição normal dois ou três copos de água são suficientes para aquela gente, naquela meu primeiro jantar cá em casa, foram bebidos umas três garrafas de litro.
Eu era assim antigamente. Com 6 anos, uma garrafa de coca-cola não durava meia hora quando partilhada com o meu irmão. A dificuldade de comunicação era suplantada com sorrisos e com muitas fotografias, seguidas de fortes gargalhadas depois de as verem. É como "remédio santo" tirar uma fotografia.Hoje, na conversa com Sushma, a filha mais velha. foi-me confessado que "apenas" recebiam 100 rupias por cada dia da minha estada. Não há dinheiro que pague o que esta família me oferece. Desde quilos de arroz a toneladas de sorrisos. Sushma, bonita e inocente, confessou o seu desejo de estudar para conseguir um bom emprego mas como a família é numerosa, tal desejo nunca se irá realizar pelo que o seu futuro passa apenas pela aldeia. Isto tudo com uma lágrima no canto do seu olho. E no meu também.
...
Fui queridamente interrompido por esta bela gente. Apesar de só estar cá à um dia e de apenas partir no Domingo, presentearam-me com um Topi, um símbolo nacional que se usa na cabeça e uma figura de Krishna. Depois de ter reflectido sobre como esta gente vive, sentir o amor que as crianças e a mãe transmitiram com a oferta destas prendas, fazem-me sentir pobre. Tenho bem mais para dar mas nunca dei com tamanho amor."

De regresso à capital sinto dificuldade em descrever os últimos dias. Se por um lado senti falta de um mundo mais avançado, por outro, a alegria com que a família partilhava o pouco que tinha deixava-me intrigado sobre os princípios que nós, ocidentais, temos. A realidade das pessoas da aldeia é assim. Nao sou eu que a vou modificar. As condições em que vivem são apenas precárias para mim. Poderiam ser melhores para eles mas o facto de serem pobres limita qualquer aspiração mas não diminui a felicidade.Foram apenas 3 dias.

5 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Tao Jonny Sal.Li os relatos das tuas mais recentes vivências por aí e fikei com um arrepio na espinha.quando falamos sobre o assunto, antes de viajares, confesso-te que não me apercebi da aventura em que te ias "meter".Espero que te ambientes depressa e que corra tudo bem.És um home do norte!!abraço.keep posting

Sunday, 07 May, 2006  
Anonymous Anonymous said...

"Com 6 anos, uma garrafa de coca-cola não durava meia hora quando partilhada com o meu irmão."

Com que Irmão?!?!?
a ganância era tanta que quem gamasse primeiro o rótulo bebia o ultimo copo!isto se conseguisse desviar as atenções dos olhos famintos que apreciavam aquela garrafa mágica!

fika!
haja estômago!
traz muita coisa mas deixa ficar mais nas pessoas que conheces!
inte k tou de pijama
ivo

Sunday, 07 May, 2006  
Anonymous Anonymous said...

grande aventureiro pá!!..dass, que grande viagem salgueiro.
vai contando histórias e vive isso ao máximo pra teres mais para contar.
grande abraço salgueirinho

Monday, 08 May, 2006  
Anonymous Anonymous said...

"n há dinheiro q pague o q esta família me oferece" e n há foto k retrate akilo k s vive aí.. as tuas palavras mostram + k akilo k consguimos imaginar.. e é certamnt 1 privilégio enorme sentir tanta gratidão por pssoas simplesmnt... modestas, e q apesar d terem pouko, têm mt para t dar. Aproveita. =) **

dri

Tuesday, 09 May, 2006  
Anonymous Anonymous said...

Às vezes é preciso ver a simplicidade dos outros para nos apercebermos do quanto somos individualistas...às vezes um sorriso de uma criança salva um dia e faz-te eskecer as rasteiras k a vida te prega. Esperamos que a tu estadia aí esteja a ser porreira porque , acredita, ler as tuas palavras fez-nos tomar consciência k por vezes o k temos para oferecer é tão pouco que mtas vezes esquecemo-nos que um olhar ou um sorriso podem chegar onde o dinheiro não chega.

Diverte-te......

Friday, 12 May, 2006  

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