Thursday, June 22, 2006

Até um dia

Despedi-me da aldeia e da minha família nepalesa. Não consegui evitar a lágrima no canto do olho. Apesar do voluntariado na aldeia não ter corrido da melhor maneira, nada fazia prever a tristeza de abandonar os sorrisos que me acordavam de manhã e que partilhavam os meus bons e maus momentos. A escola fechou para férias, isto é, para os putos irem trabalhar para os campos e os meus planos alteraram-se uma vez mais.
Como já muita gente sabe, tive bastantes dificuldades em lidar com o isolamento. Senti pressão e sufoco. Senti muita vontade de partir quando as coisas não corriam da melhor maneira. Não fui um bom professor, não ensinei carradas de coisas como pensara. Não entendia como alunos com 12 anos não sabem ler e se encontram em classes avançadas. Agora sei que os professores ganham bónus consoante os níveis de aprovação. Bingo. Apesar das dificuldades em comunicar, o meu nepalês está situado abaixo do medíocre, cumpri um dos objectivos a que me tinha proposto (isto tipo auto avaliação a la ensino português). Fiz sorrir muita criança muitas vezes. E isso é, para mim, o ponto alto da interacção com miúdos que não conhecem mais do que as aldeias das redondezas e uma ou duas mudas de roupa. A simplicidade do quotidiano e a alegria natural que nesta realidade, quando vista por um forasteiro, pode parecer difícil de alcançar, fizeram que o meu coração se atrapalhasse no absurdo que nos, ocidentais, temos quando algo "importante" nos falta ou que que queremos ter.. e não podemos por uma data de razões igualmente estranhas como o desejo de possuir.
Talvez razão de ter tido dificuldades em lidar com o afastamento do ambiente citadino resida também no facto de esta ser a primeira grande viajem que faço e como tal o desejo de viver e de sentir vibrações diferentes me fizesse voar lá de cima (da aldeia) para outras paragens. Apesar de não ter sentido isto em Kaskikot, agora penso que este pormenor talvez condicionasse a minha estadia.
Quando disse que teria que partir definitivamente, percebi que a vida das pessoas muda quando existe interacção com culturas diferentes. Se o meu "pai" ficou triste por eu ter que abandonar a aldeia, as suas lamentações relativas ás conversas que ficaram por existir e aos lugares que me queria ainda mostrar fizeram-me perceber que era algo mais do que um simples ocidental acidentalmente surgido do nada que por ali andava, a minha "mãe" apressadamente cozinhou uma última vez para mim e desfez-se em lamentações por ter que tratar do meu bilhete de avião a KTM. Antes de partir saudaram-me com uma tradicional manifestação religiosa de adoração e todos os elementos da família e mais alguns participaram na realização da minha Tika.Parti triste num autocarro convencionalmente atulhado de gente e galinhas. Parti desanimado. Complexo por me sentir mal ao abandonar um lugar que ao mesmo tempo me fez feliz e complicado.
Triste estou ao escrever estas palavras. Talvez pela ansiedade de aproximar o meu regresso e por não estar ocupado com nada (para além de ver futebol e conversar com tudo o tipo de personagem). A cidade é linda. O lago tem uma agradável temperatura. O céu é azul de manha e pinta-se de nuvens pela tarde. A chuva é intensa mas apenas torna o fim de tarde frente ao lago num momento especial. Amanhã cedo parto para a cidade dos cães, corvos e vacas sagradas que comem lixo.

2 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Uma viagem de fazer inveja a qualquer um.
Não só pela distância real, mas mais pela viagem interior.
Admiro-te, e também invejo, por isso.

Thursday, 22 June, 2006  
Anonymous Anonymous said...

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Friday, 16 February, 2007  

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